Esta manifestação começou calma, muito calma. Gente a conversar, juntar cartazes, pessoal de bicicletas, amigos sentados no chão no Saldanha. Arranca não arranca, quase uma hora depois começaram a andar. Do Saldanha seguiram em direcção à Avenida Almirante Reis e mais tarde ao Rossio. O único ponto mais "quente" foi em frente ao Banco de Portugal onde a polícia teve que fazer um cordão por causa dos ovos que estavam a ser arremessados, mas nada de especial. Durante 2 horas eu e a Patrícia Melo Moreira (France Presse) seguimos a manifestação até chegar ao Rossio onde outras plataformas se juntaram ao protesto. Ao vermos que iriam dar mais uma volta lenta à Praça sentámo-nos os dois num café a tentar editar umas fotografias (estas que aqui vêm à excepção da última) para depois os apanharmos a caminho da Assembleia da República onde pensámos que possivelmente poderia haver alguma situação mais "quente". Acabou por não dar tempo para editar.
Começámos a subir a Rua do Carmo, depois a Rua Garret onde começámos a ver o movimento anormal de carrinhas de Polícia de Intervenção e corremos até ao sítio para onde se dirigiam. Perdi-me da Patrícia e fui direito ao rapaz que aparece em todos vídeos a tirar o sangue da testa e atirar para cima da Polícia e apenas tirei uma fotografia (a penúltima aqui). Não tive tempo para me aperceber do que realmente estava a acontecer ali. Quando me virei para trás tirei esta última que aqui está e vi que estavam a começar a avançar e que iriam varrer tudo o que estava à frente. Por mais absurdo que possa ser o comunicado da PSP que refere que nós jornalistas devemos estar atrás da linha policial (provavelmente para apanhar a cara de quem leva e não a de quem bate, como diz o Francisco Paraíso hoje no CM), foi exactamente isso que eu tentei fazer porque me vi numa situação em que iria ser apanhado no meio da confusão sem sítio para escapar. Andei na direcção deles a dizer que era jornalista em voz alta e fiz sinal para que me deixassem passar para trás da linha que estavam a fazer e foi aí que me bateram pela primeira vez na cabeça e caí ao chão. O resto as imagens mostram como foi, sendo o resultado dois cortes na cabeça, 6 pontos, ombro, costas e joelhos amassados mas acima de tudo uma sensação de medo e impotência perante tudo o que estava a acontecer. A cara do polícia que me bateu era de raiva, até a língua estava a morder. Repeti não sei quantas vezes que era jornalista em pânico e nem assim ele parou, ainda deu com mais força. Nunca pensei que aquilo pudesse acontecer cá.
Ainda mais revolta causa ver as imagens da Patrícia a ser agredida daquela maneira! Como é possível?! Desde quando uma mulher com uma câmara fotográfica é ameaça para alguém? Não sei se foi premeditado ou não, mas a falta de inteligência daqueles animais não alcança que para cada câmara que tentam que não fotografe ou filme a sua brutalidade há dezenas de outras a captar o que está acontecer. E o resultado está à vista. As imagens daquelas duas senhoras já mais velhas, uma a levar uma joelhada no peito e outra a ser atirada ao chão também não há palavras para descrever. Parabéns a quem captou tudo isto para que se possa ver e rever. A única coisa boa que se tira disto é exactamente a atenção que o assunto está a ter, para que não se repita.
P.S. Muito obrigado a todos pelas mensagens, telefonemas, e-mails, etc! Mesmo. Foi mais o susto, mais uns dias e estou a trabalhar de novo.
Nota do editor: Este relato foi retirado do blogue do fotojornalista JOSÉ SENA GOULÃO e testemunha a agressão de que foi alvo por parte dos elementos da Polícia de Intervenção, no dia da Greve Geral. Segundo o repórter de nada lhe valeu gritar, repetidamente, que era um jornalista em serviço. Bem pelo contrário: "A cara do polícia que me bateu era de raiva, até a língua estava a morder". Os polícias são assim: fortes com os fracos e fracos com os fortes; intransigentes com os humilhados e ofendidos ; e reverentes com qualquer canalha que tenha poder. Poder político ou poder económico.
Soares Novais