terça-feira, 26 de março de 2013

"Olá, engenheiro".

Soares Novais



O António Capela foi um gigante do fotojornalismo desportivo.
E foi um gigante da camaradagem.
Trabalhamos juntos no Record, nos anos 80 do século passado. Isto é: quando as redacções ainda eram catedrais de afectos e lugares de paixão.
Além de exercer a sua actividade de repórter-fotográfico no Record, o António Capela, que era um vibrante adepto do Sporting, colaborava, também, com o jornal do clube de Alvalade. Esse facto, levou-o a privar e a ser considerado pelas figuras do clube e pelos adeptos “leoninos”. Todos o conheciam. E faziam questão de o demonstrar efusivamente.
Foi isso que testemunhei quando, por exemplo, fomos enviados-especiais a Barcelona, onde a equipa leonina, então orientada por Manuel José, tinha encontro aprazado com o já colossal “Barça”. Mal entramos no Aeroporto da Portela o bom do Capela não mais parou de ser saudado.
António Capela correspondia com um sorriso rasgado e ora com um “olá, engenheiro”; ora com um “olá, doutor”. Já quando estávamos sentados nos nossos lugares questionei-o:
- És um gajo do caraças: só conheces “doutores” e “engenheiros”…
António Capela deu uma gargalhada, que ecoou por todo o “boeing”, e respondeu-me assim:
- Olha, uma coisa: não me lembro do nome da maioria dos tipos, por isso trato-os por “doutores” e “engenheiros”. Eles ficam todos inchados e eu safo-me…
Hoje, a esta distância, tenho para mim uma teoria: o bom do Capela já sabia que o país iria ficar polvilhado de “doutores” e “engenheiros”.
Como o Relvas e o Sócrates.
E genial, como era, antecipou-se à moda…

  Crónica publicada no semanário






domingo, 24 de março de 2013

Honrado.



A última vez que estive pessoalmente com o João Honrado foi na Festa.
Há um bom par de anos.
Sabia que estava doente, mas a notícia da sua morte, que soube hoje, soou-me violentamente.
Como se fosse um grito de revolta e de dor soltado por um prisioneiro das cadeias fascistas, que ele conheceu ao longo de quase 13 anos da sua vida.
Uma vida inteira e militante.
"Sabes, só este João podia chamar-se Honrado", disse-me um outro Amigo com quem o José Viale Moutinho e eu partilhámos essa tarde, inesquecível,  na "Atalaia".
Uma tarde recheada de afectos e memórias e que foi o ponto de partida para a obra "Os meus misteriosos pais", que o Zé Viale escreveu, o Acácio de Carvalho ilustrou e eu editei.

Soares Novais

terça-feira, 19 de março de 2013

Um país à Sporting.


Soares Novais







Finalmente,  o monocórdico Gaspar foi obrigado a confessar: o futuro é negro. Sobretudo, para os mais jovens.
“O ajustamento terá de continuar durante décadas, exige o esforço de uma geração”. Disse Gaspar, que é assim como o ventríloquo do treinador Passos.
Gaspar que, perante o falhanço brutal das suas contas, previsões e decisões, insiste em continuar num lugar para o qual não foi talhado. Nem tem talento.
Uma teimosia em tudo igual à do treinador Passos.
Um treinador que, como já todos amargamente percebemos, só se safou a treinar as camadas jovens dos laranjinhas, pois são gente que tudo resolve à volta de um copo de gin nas “docas” de Lisboa.
Portugal é hoje o Sporting da Europa.
E Passos o Godinho do país.
Ambos acentuam o verbo, mas falta-lhes capacidade e sagacidade.
Ambos prometeram mundos e fundos, mas país e Sporting estão no mais fundo dos fundos dos seus campeonatos.
Godinho ainda mudou de treinadores, mas o primeiro tem uma mãozinha presidencial que o protege.
Por isso, é bom que lhe acenemos com lenços brancos e lhe apontemos a porta de saída. Mesmo que o seu protector não queira.
Temos de mudar de treinador e correr com os seus adjuntos. Com o Gaspar e com o Álvaro; com o Macedo e com o Branco; também com o Portas, que apenas é bom de boca e a comprar submarinos.
Temos de correr com eles, pois. E antes que seja tarde.
Caso contrário, desceremos aos lugares mais baixos da divisão europeia.  
E se isso acontecer seremos, então, como afirma o bispo Januário Torgal Ferreira, um “país juncado de cadáveres”.

 

 Crónica publicada no semanário



O ronco do Belmiro.

Soares Novais

Belmiro, o merceeiro rico que já se esqueceu de que é filho de um humilde carpinteiro de Marco de Canavezes, roncou:
"Diz-se que não se devem ter economias baseadas em mão-de-obra barata. Não sei por que não. Porque se não for a mão-de-obra barata, não há emprego para ninguém".
O ronco do Belmiro, que começou a ganhar a vidinha a chegar papeis ao banqueiro Afonso Pinto  de Magalhães, teve como palco o chamado Clube dos Pensadores  - o mesmo onde o Relvas fez de "Zé Cabra".
Agora, continuem a encher-lhe o bandulho...

terça-feira, 12 de março de 2013

Miseráveis.

Soares Novais


António Borges, António Nogueira Leite, Eduardo Catroga, Fernando Ulrich, João César das Neves, João Duque, João Salgueiro, José Luis Arnaut, José Silva Lopes, Marco António Costa, Miguel Relvas, Pedro Mota Soares, Pedro Passos Coelho, Vítor Gaspar.

Estes são alguns dos figurões que, volta e meia, dizem ser inevitável cortar nas pensões e nas reformas; cortar nos salários dos funcionários públicos; e tornar ainda mais baixo o já de si vilmente baixo salário mínimo nacional.
Eles são moralmente miseráveis, pois auferem ordenados chorudos, vivem rodeados de mordomias e falam de barriga cheia, num país que tem 2 milhões de pobres; eles são aqueles que pela manha ou pela força, roubam e despojam os povos”* e obrigam os seus concidadãos a pagar as vigarices milionárias dos seus amigos e correligionários Dias Loureiro e Oliveira e Costa, apenas para aqui citar dois portugueses exemplares.

Os vencimentos pagos em Portugal são dos mais baixos da Europa e estão longe de ser responsáveis pela alegada falta de competitividade da nossa Economia e das nossas empresas.
As empresas sufocam, isso sim, por via dos altíssimos custos de contexto. Ou seja: por via dos elevados custos da energia eléctrica, combustíveis e portagens; e por um sem número de impostos que as colocam a trabalhar para um governo que só tem olhos e bons modos para os seus amigos da “banca”.



*"Não são ladrões apenas os que cortam as bolsas.
Os ladrões que mais merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e as legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais, pela manha ou pela força, roubam e despojam os povos.
Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos; os outros furtam correndo risco, estes furtam sem temor nem perigo.
Os outros, se furtam, são enforcados; mas estes furtam e enforcam."



Excerto  do   “Sermão do Bom Ladrão” do  Padre António Vieira (1608-1697).
Escritor e pregador notável, o Padre António Vieira  escreveu o  “Sermão do Bom Ladrão” em 1655. Como se vê  continua   profundamente actual.

                             

Crónica publicada no semanário

terça-feira, 5 de março de 2013

O sabichão da tevê.

Soares Novais

Há 15 dias atrás, o sabichão da tevê, que fala sobre tudo com a ligeireza de um comentador de café, disse na sua missa dominical:
“O povo já percebeu que não pode ser de outra forma e às manifestações já só foi gente do PC e do BE”.
As “manifes” do último sábado, que juntaram 1,5 milhões de pessoas em todo o país, provam que o sabichão está enganado. Ou que, pura e simplesmente, é um mentiroso compulsivo. Tal qual acontece com o governo que vende na tevê semana após semana.
Profissional do beijinho e do abraço e da palmadinha nas costas, o sabichão da tevê bem podia ganhar a vidinha a vender sabão macaco, pensos higiénicos ou cuequinhas de senhora.
Mas não: o sabichão da tevê ganha a vida com a língua. E como fala com a rapidez de uma metralha, alguns ainda lhe dão crédito. Afinal, sabe-se, quando “um professor fala o mundo acredita”. Também era assim com a “Voz dos Ridículos” – programa de humor que fez história na rádio nortenha.
Uma coisa é certa: a este sabichão da tevê, que os lisboetas deixaram a banhar-se nas águas do Tejo e que foi corrido da liderança do seu próprio partido, a história não lhe reservará nenhum lugar.
Daqui a 20 anos já ninguém se lembrará dele e dos seus dichotes.
Ao invés, aposto, todos continuarão a entoar “Grândola, Vila Morena” se a isso a vida os obrigar…


A tempo: Esta crónica foi escrita bem antes da missa dominical do sabichão da tevê. Mas tenho a certeza que, posto perante o imenso coro de protestos, terá arranjado uma explicação qualquer. Por mais inverosímil que seja. É a sua especialidade. Para gáudio da santinha de Sintra. Como antes o foi para o pastorinho das Antas.

Crónica pubicada no semanário