quinta-feira, 26 de abril de 2012

38 anos depois do 25 de Abril

Preservativo económico
aprisiona jornalistas

Soares Novais*

Hoje os censores não são coronéis. Não usam lápis vermelho ou lápis azul. Usam fatos caros, perfume de marca, palavras suaves e dão palmadinhas nas costas dos jornalistas, que são cada vez mais trabalhadores precários e mal pagos. 38 anos depois do 25 de Abril a censura e a autocensura é feita através de um apertado preservativo económico que impõe o PU (Pensamento Único).


 

“25/4/74 (00,25. Hora dos Capitães). Os jornais que ainda mandaram provas à CENSURA – quando tocaram à campainha – os “coronéis” tinham desertado dos seus postos. Horas antes tinham-se debruçado (preocupadamente) sobre a reunião dos bispos em Fátima, sobre uma bomba fictícia no BPA e sobre as 44 horas da semana dos caixeiros. Escaparam-lhes as reuniões e blindados da nova geração militar.”


 

Esclarece César Príncipe em “Os Segredos da Censura” – obra várias vezes reeditada e de leitura obrigatória para que se saiba que “a Censura/Exame Prévio foi uma organização policial criminosa encarregada de atirar a matar contra todas as construções sintácticas que se desviassem da gramática do regime, um regime de ricos metais e atrasados mentais», como aquele jornalista e escritor, sem dúvida um dos melhores de nós, afirma no prefácio à terceira edição da obra.

A Censura era o preservativo do regime fascista. Por isso os jornais estavam impedidos de parir notícias onde se referissem surtos de cólera, suicídios, barracas, aumento de preços, guerra,  drogas, gripes, fome, greves, fraudes e infedilidades conjugais. Racismo.

O  país tinha um Pai - que alguns ainda há bem pouco elegeram como o grande português - que não viajava, não adoecia, não sofria acidentes de viação; e alguns santuários, onde se zelava e zela para que o povo não saia dos caminhos das troikas.

Isto é: para os coronéis e os “doutores” censores o país real não existia. Mesmo que muitos dos seus cortes de lápis azul (a Norte) e de lápis vermelho (a Sul) nos façam hoje sorrir.

Eis dois exemplos retirados do já citado livro de César Príncipe:


 

“13/3/72 (22,50). “Espancou a mulher e bateu nos polícias – CORTAR o bateu nos polícias”. Ordenou o Coronel Garcia da Silva, um dos esclarecidos censores, que, como a aqui se vê, não ficou nada preocupado com o espancamento da senhora.


 

“2/12/72 (23,30). «Reunião de merceeiros em Gaia. Pode ser publicada notícia. Mas é CORTADA uma parte das afirmações de um interveniente: “Os supermercados são considerados de interesse público e nós seremos ladrões? É assunto para CORTAR”. Ordenou um tal dr. Ornelas que, espertalhaço, já então percebeu que o país não tardaria a ficar nas mãos dos hipermerceeiros como acontece hoje.


 O ópio das multidões


 A Informação que hoje nos servem é assim a modos como o novo ópio. E é, também, em boa medida, uma Informação censurada e autocensurada. Pelos interesses políticos de quem manda e pelos interesses económicos que serve.

 

(Isto apesar de um assessor de longa data do professor Cavaco ter lamentado, ainda recentemente, que “uma informação não domesticada constitui uma ameaça com a qual nem sempre se sabe lidar”).


 O autor deste lamento, que fez vida nos jornais e chegou à Direcção do Diário de Notícias e que com o seu punho assinou editoriais do matutino lisboeta, é caso exemplar da dependência económica e política da Imprensa portuguesa actual e dos servidores atentos e reverenciais que a dirigem.

Eduardo Galeano, escritor, jornalista e humanista uruguaio, diz que o Mundo é hoje dominado por uma “ordem criminosa”.

Uma ordem criminosa cujas “corporações controlando os governos de quase todo o planeta, dispondo também de instituições como o FMI, a OMC e o Banco Mundial para defender os seus interesses” leva a que hoje “500 empresas detenham mais de 50% do PIB Mundial, sendo que muitas delas pertencem a um mesmo grupo”.

Uma ordem criminosa, que se apoderou da Imprensa mundial e a coloca aos serviços das suas estratégias ideológicas, económicas e financeiras.

Assim, acontece com a generalidade da chamada Comunicação Social, também ela na mão de endinheirados, ou endividados, que embora muitas vezes sejam apenas meros testas-de-ferro, são zelosos cumpridores das ordens dos verdadeiros patrões.


 E isso explica várias coisas. Como estas que aqui se deixam:


 - O despedimento cirúrgico de jornalistas seniores, respeitados entre a classe e com capacidade interventiva e reinvidicativa;


- A opção por jovens jornalistas pagos com baixos salários ou pagos à peça, sem capacidade interventiva e reinvidicativa. Sem memória também;


 - O pagamento milionário a algumas “damas” e a alguns “cavalheiros” para que assistam à missa dominical do prof. Marcelo ou à novena do dr. Marques Mendes, à quinta-feira;


 (Nota: Isto enquanto o desemprego de jornalistas se agrava, sendo que, segundo o Sindicato dos Jornalistas, nos últimos cinco anos (2007-2011), deram entrada na Caixa de Previdência e Abono de Família dos Jornalistas (CPAFJ) 566 novos pedidos de subsídio de desemprego, num total de 694 processos. Mais: os OCS são dominados por dois/três grupos económicos – Controlinveste/Impresa/Cofina/Impala, na chamada imprensa cor de rosa, pelo que jornalista caído em desgraça jamais, como dizia o outro, voltará ao exercício da profissão.)

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- Ou, também, para que os “Prós” sempre derrotem os “Contras” que se manifestam contra o PU (Pensamento Único) que domina o mundo, o país, e teima em dominar as nossas vidas.

A Imprensa, escrita, televisiva, radiofónica e muito daquela que hoje por aí vagueia impõe a Censura, pois promove a autocensura.

E manipula inocências e consciências!

Vendendo a imagem de “vamps” e  de “vips”, das suas festas e carros; servindo-nos um qualquer Fiúza a dizer que, por integrar uma associação de cristãos de Barcelos e caso o Gil Vicente ganhasse a Taça da Liga, iria dar espumante aos sem-abrigo de uma terra esventrada pelo desemprego; dando tempo de antena e páginas inteiras a uma qualquer irmã do Cristiano Ronaldo; ou a qualquer similar indigente mental.

E se esqueçam, por exemplo, de assinalar os 20 anos da morte de Salgueiro Maia – logo a ele que tudo nos deu e nada quis em troca:

 

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo


Como tão bem anunciou Sofia de Melo Breyner.

 E se esqueçam, também. dos 100 anos do nascimento de Alves Redol e Manuel da Fonseca ou dos 103 de Soeiro Pereira Gomes,  símbolos maiores do neo-realismo.

Ou que nada digam sobre o facto de Américo Amorim entupir as contas fiscais da sua holding com pensos higiénicos e destaquem em letras garrafais que “60 mil recebem rendimento mínimo e não mexem palha”, como ainda há dias titulava (esquecendo os rendimentos máximos de quem nada faz) um matutino que já se preocupou com os mais desfavorecidos.

 

Imprensa alternativa

- Imprensa contra poder

 

Num mundo dominado pela ordem criminosa de que nos fala Galeano, fazer uma Imprensa séria, alternativa, uma Imprensa de contra poder. E não de quarto poder, como alguns defendiam e que, prova-o a história e os factos, acabou no quarto do poder. Poder que dela se serve a seu bel-prazer.

Ou seja: precisamos de um jornalismo de contra poder, que mude o mundo e nos faça reflectir, que nos dê uma outra visão e contrarie o PU que nos domina.

Sobretudo na Europa, nesta Europa dominada por mercados e mercadores que a encaminham para o maior retrocesso civilizacional de que há memória.

A Internet é, pelo menos por agora, um suporte alternativo, bem como a Informação que nos chega da América Latina.

Nomeadamente com o nascimento da Telesur – rede de televisão criada em 2005 na Venezuela como contraponto à hegemonia das grandes redes privadas de TV, tais como a CNN e a Univisón.

Ou ainda através da leitura do periódico Le Monde Diplomatique, que o jornalista e sociólogo galego Ignacio Ramonet dirige desde 1991;

Ou, também, e entre nós pela leitura dos sítios:

 

- cinco dias;

- o diario.info;

- resistir.info.

 

Por exemplo.

 

Pois só assim ficaremos a saber a razão que levou o farmacêutico Dimitris  Christoulas a suicidar-se, com um tiro, junto ao parlamento grego.

 

Eis a carta do herói da Praça Syntagma:


 “O governo de ocupação aniquilou-me literalmente qualquer possibilidade de sobrevivência dado que o meu rendimento era inteiramente proveniente de uma pensão que eu, sem qualquer apoio de ninguém nem do Estado, financiei durante 35 anos.
Porque a minha idade me impede de assumir uma acção radical (se não fosse isso, se um cidadão decidisse lutar com uma Kalashnikov, eu seria o primeiro a segui-lo), não me resta nenhuma solução excepto colocar um fim decente à minha vida antes de ser forçado a procurar comida nos caixotes do lixo e de ser um peso para os meus filhos.
Eu acredito que a juventude sem futuro brevemente se erguerá [literalmente: “empunhará armas”] e enforcará todos os traidores nacionais de cabeça para baixo, como os Italianos fizeram a Mussolini em 1945

[Piazzale Loreto, Milão]”.

*Intervenção realizada no Centro Republicano e Democrática de Fânzeres (Gondomar) nas comemorações do 38º aniversário do 25 de Abril

 

 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 

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