CARTA
AO MINISTRO DOS CONDENADOS
Ex.mo Sr. Dr. Paulo Macedo
M.I. Ministro da Saúde
Senhor,
Escrevo-lhe depois de VExa ter vivido dias
atribulados e que culminaram com um nosso concidadão a exigir que o não
condenassem à morte pelo facto de padecer de hepatite C.
O senhor estava em audiência par(lamentar), a
tentar inventar uma razão para a falta de médicos, enfermeiros, auxiliares,
camas, macas, medicamentos (e, assim,
passar ao lado das pessoas que morrem em pleno serviço de “Urgência”) quando
o senhor Saldanha resolveu cortar-lhe o
fraseado monocórdico, atrevendo-se a reclamar por um direito que a nossa
Constituição e a Civilização consagram: o direito à vida.
Uma interrupção perturbadora, pois. As
preocupações de VExa e de todos os excelentíssimos pares (ministros,
secretários, subsecretários, directores-gerais, assessores, etc;), pelo que se
vê reduzem-se a uma: o país deve ter dinheiro para pagar os milhares de milhões
de juros devidos pelo generoso empréstimo
da “troika”, que, diz VExa e todos os outros ilustres colegas, nos salvou da
bancarrota - apesar da bancarrota e da farta vilanagem continuarem como VExa
bem sabe, pois foi vice-presidente de um grande banco privado e o caso BES/GES
ser disso escandaloso exemplo.
Há pois que arranjar essa “pipa de massa”, perdoe-me a expressão popularucha (mas limito-me a citar aqui, o seu
companheiro de austeridade para os outros, o dr. Barroso), mesmo que isso
obrigue a esganar a populaça com
impostos e mais impostos, a cortar nos já magros salários da generalidade dos
cidadãos (ou cidadões, para utilizar o
acordo ortográfico do senhor PdR), ou, para entrar na sua área, a encerrar
centros de Saúde, a não contratar pessoal médico e de enfermagem; ou a não
adquirir, em tempo devido, um medicamento que pode salvar a vida do senhor
Saldanha e de mais alguns milhares de portugueses que tiveram a infelicidade de
contrair um mal grave mas sem dinheiro para luxos de doenças caras.
(Confesso: ainda coloquei a hipótese de escrever esta missiva
ao seu chefe de Governo. Até porque entendo que os chefes são aqueles que devem
ser primeiramente responsabilizados, mesmo que tenham ar de inimputáveis. Mas
após consultar o seu currículo no Portal do Governo e de o comparar com o do
seu chefe, cheguei à seguinte conclusão: o do senhor ministro é muito mais
denso, além de que o do seu chefe, confirmou ele próprio com o currículo que
plasmou no tal portal, é típico de alguém que nada mais fez na vida do que
vestir a camisola do partido conveniente, escolher os amigos certos, como foi o
caso do inefável engº Ângelo Correia, e de agora ser o coelhinho amestrado dos
contos de criança de frau Merkel).
O senhor, não. O senhor ministro tem lastro.
Foi director-geral dos Impostos, administrador de banco, administrador da Médis,
Companhia Portuguesa de Seguros de Saúde, auditor, professor universitário, é
uma grande
máquina de contabilidade. Tanto, que até há algumas semanas atrás, ou seja até às mortes nas “urgências” e até
ao falecimento da mãe daquele jovem a quem prometeu investigação apurada das
causas que levaram a não ser administrado o medicamento que lhe salvaria a
vida, era considerado um dos ministros mais
populares de um governo de pés para a cova.
Trata-se
de um medicamento criminosamente caro, é verdade. Mas a sociedade que VExa
defende, através da sua acção e da do grupo que aceitou integrar, impõe tais
regras de mercado. Por isso não pode nem deve vir agora bradar contra o
superpoder da indústria farmacêutica. Um poder tão exemplar como aquele que
coloca Jardim Gonçalves, ex-patrão do banco onde VExa foi administrador, a
receber uma reforma multimilionária num país onde o salário mínimo é de €
505,00.
Senhor ministro: VExa e a respectiva
multinacional, pressionados pelo clamor dos condenados à morte, chegaram a um
acordo de cavalheiros.
Mas permito-me alguma dúvida: tendo os
hospitais as finanças depauperadas, será que as verbas necessárias chegarão a
tempo e no montante devido?
Creia-me sempre atento
*Crónica publicada hoje em aviagemdosargonautas.net