terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Pais natal a 43 cêntimos.

 
Soares Novais


1 - A empresa de S. Romão do Neiva, que há anos organizava o desfile de pais natal pelas ruas do Porto, não resistiu à crise e fechou as portas.
Resultado: este ano não há pais natal a alegrar a malta, não é batido novo recorde de figurantes e o presidente da câmara da Invicta, que gosta de se mostrar no Porto e refugiar-se em Viana do Castelo, tem menos um motivo para assomar à janela. É a crise, sem brilho nem pudor.
Uma crise que já não poupa os pais natal e até os obriga a trabalhar a troco de 43 cêntimos à hora. Como acontece em Penafiel, onde a associação empresarial contratou quatro operários da construção civil, inscritos no centro de emprego, para os passear travestidos pelo centro histórico do berço de D. António Ferreira Gomes - o bispo do Porto que ousou afrontar Salazar e pagou com o exílio tal feito.
A miséria paga aos quatro desempregados pela entidade que congrega os empresários (?) penafidelenses é uma provocação a todos os desempregados e uma afronta a todos os empresários com moral. Uma afronta que conta com o silêncio cúmplice do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP).
Mas também é um alerta vermelho para cada um dos 1 milhão e 300 mil desempregados que, assim, ficam a saber que alguns patrões, aproveitando-se da política troikana, tudo estão a fazer para que o nível de vida dos portugueses regresse à Idade Média. Ou seja: a um tempo em que os trabalhadores davam pelo nome de servos, tendo todas as obrigações e nenhuns direitos.

2 – José Carlos Ary dos Santos escreveu a “Tourada” há 40 anos, nos finais de 1972. E Fernando Tordo cantou-a triunfalmente no Festival RTP de 1973.
Tal como hoje, o país exibia “empresários moralistas” que davam azo a canções: “entra muito dólar/muita gente/que dá lucro aos milhões”. Mas o Povo e as suas Forças Armadas souberam trocar as voltas ao destino traçado pelos “galifões de crista”.
Por ser tão dramaticamente actual, aqui fica o poema de Ary:
 “Não importa sol ou sombra/camarotes ou barreiras/toureamos ombro a ombro/as feras./Ninguém nos leva ao engano/toureamos mano a mano/só nos podem causar dano/espera./Entram guizos chocas e capotes/ e mantilhas pretas/entram espadas chifres e derrotes/ e alguns poetas/entram bravos cravos e dichotes/porque tudo o mais/ são tretas./Entram vacas depois dos forcados/ que não pegam nada./Soam brados e olés dos nabos/ que não pagam nada/e só ficam os peões de brega/cuja profissão/ não pega./Com bandarilhas de esperança/ afugentamos a fera/estamos na praça/ da Primavera./Nós vamos pegar o mundo/ pelos cornos da desgraça/ e fazermos da tristeza/ graça./ Entram velhas doidas e turistas/entram excursões/ entram benefícios e cronistas/entram aldrabões/entram marialvas e coristas/entram galifões/ de crista./Entram cavaleiros à garupa/ do seu heroísmo/entra aquela música maluca/ do passodoblismo/entra a aficionada e a caduca/ mais o snobismo/ e cismo.../Entram empresários moralistas/entram frustrações/entram antiquários e fadistas/ e contradições/e entra muito dólar/muita gente que dá lucro as milhões./E diz o inteligente/ que acabaram as canções.”

 

 Crónica publicada no dia 18 Dezembro no semanário

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