sábado, 2 de junho de 2012

Os ninguém, que custam menos que a bala que os mata

"A utopia está no horizonte.
Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos.
Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos.
Por mais que eu caminhe, jamais a alcançarei.
Para que serve a utopia?

Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar."

Os Ninguém


As pulgas sonham com comprar um cão, e os ninguém com deixar a pobreza, que em algum dia mágico a sorte chova de repente, que chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não chove ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguém a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.


Os ninguém: os filhos de ninguém, os dono de nada.
Os ninguém: os nenhuns, os desprezados, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e refodidos.
Que não são embora sejam.
Que não falam idiomas, mas dialetos.
Que não professam religiões, mas superstições.
Que não fazem arte, mas artesanato.

Que não praticam cultura, mas folclore
Que não são seres humanos, mas recursos humanos.
Que não têm cara, mas braços.
Que não têm nome, mas número.
Que não aparecem na história universal, mas nas páginas policiais da imprensa local.
Os ninguém, que custam menos que a bala que os mata.


Eduardo Galeano

(O livro dos abraços)

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